28.1.05

O Remanescente

"Aquilo que era remanescente
Já não o é!
Finalizar o eminente.
O fim do que é!

Aqui não já somente, jaz nada de afável.
Ou palavras, mil palavras,
em tom amigável.
Aqui não jaz nada,
do que imagino,
que seja o imaginável!

Pela minha pessoa sou sucumbido.
Até despertar...e errar, e me prostituir,
para ganhar ânimo...
... sejamos falsos.
Que temos competências para tal.
Sejamos fúteis,
sejamos sofríveis
sejamos nós,
porque temos competências para tal!

Critiquem... critiquem,
o que remanesce.
Bocejem... bocejem,
que meu âmago adormece.
Do que era... já nada fica.
Do que é ... só me prejudica.
Deixei para trás tudo o que prevalece.
Embalem... embalem
Que só assim meu coração adormece..."

Guilherme Rebelo

Branco

Acordei abraçado a uma manta quentinha de emoções, de memórias, de sorrisos. Desci. Contemplei um desfile de sensações desconhecidas ao mergulhar no infantário de cristais de neve dançantes. Em cada pedaço de água, uma criança. Quanto mais mais me molhava, mais criança ficava. Em cada pedaço de água, um segundo. Já não invejava a água.

23.1.05

Parar

Depois de aterrar numa existência demora sempre algum tempo até o corpo parar. Diria até que procuro inconscientemente a vertigem duma viagem que faça com que o corpo nunca assente. O corpo aguenta-se, o corpo foi bem feito. O corpo é o que temos para transportar a alma duma viagem para a outra. O corpo é o suporte fisico da alma. O corpo existe, a alma não. A matemática também não existe, mas funciona. A alma revela-se num raciocinio, numa forma desenhada, num gosto, numa interpretação do que é bonito. Quando o corpo pára, a alma pára. Quando a alma pára, ela cobre-se de nostalgias e de pensamentos. Eu não gosto de ficar parado, não gosto de pensar no pensar, não gosto de sorrir e de chorar ao mesmo tempo. Mas não sofro. O corpo não é alimentado por sorrisos, conversas ou impulsos consumistas. Nem por trabalho, sexo ou amor. O corpo é alimentado pelo combate à monotonia, pela motivação quase flagelante, pelo imprevisto. Tal como a água que me provoca inveja, o cansaço da alma acaba por vencer por entre os declives e pára o corpo. Permito-me extrapolar para um nível etéreo e fustigar a ponte entre o corpo e alma. Ir, como o poeta Jean Cocteau foi, e logo depois a minha alma se juntará. A separação do corpo e da alma poderá ser debatida e degolada pelas plateias filosoficas mas a sua realidade, seja de que natureza fôr, não é afectada pelas dúvidas da sua existência. Era como se soubessemos que o purgatório existe e andassem à milénios a fazer essa mesma pergunta. Assim se resolve o paradoxo: assumindo uma natureza fisica e outra natureza supra-fisica. Seria como um grande balde onde se enfiava o que é questionavel, o que não tem existência fisica, o que funciona. Então, é o corpo que não pode parar. O materialismo é uma tentação inevitavel que nasce a jusante da ponte. A simbiose é apenas aparente, destrinçavel e atraente.