23.1.05

Parar

Depois de aterrar numa existência demora sempre algum tempo até o corpo parar. Diria até que procuro inconscientemente a vertigem duma viagem que faça com que o corpo nunca assente. O corpo aguenta-se, o corpo foi bem feito. O corpo é o que temos para transportar a alma duma viagem para a outra. O corpo é o suporte fisico da alma. O corpo existe, a alma não. A matemática também não existe, mas funciona. A alma revela-se num raciocinio, numa forma desenhada, num gosto, numa interpretação do que é bonito. Quando o corpo pára, a alma pára. Quando a alma pára, ela cobre-se de nostalgias e de pensamentos. Eu não gosto de ficar parado, não gosto de pensar no pensar, não gosto de sorrir e de chorar ao mesmo tempo. Mas não sofro. O corpo não é alimentado por sorrisos, conversas ou impulsos consumistas. Nem por trabalho, sexo ou amor. O corpo é alimentado pelo combate à monotonia, pela motivação quase flagelante, pelo imprevisto. Tal como a água que me provoca inveja, o cansaço da alma acaba por vencer por entre os declives e pára o corpo. Permito-me extrapolar para um nível etéreo e fustigar a ponte entre o corpo e alma. Ir, como o poeta Jean Cocteau foi, e logo depois a minha alma se juntará. A separação do corpo e da alma poderá ser debatida e degolada pelas plateias filosoficas mas a sua realidade, seja de que natureza fôr, não é afectada pelas dúvidas da sua existência. Era como se soubessemos que o purgatório existe e andassem à milénios a fazer essa mesma pergunta. Assim se resolve o paradoxo: assumindo uma natureza fisica e outra natureza supra-fisica. Seria como um grande balde onde se enfiava o que é questionavel, o que não tem existência fisica, o que funciona. Então, é o corpo que não pode parar. O materialismo é uma tentação inevitavel que nasce a jusante da ponte. A simbiose é apenas aparente, destrinçavel e atraente.

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