24.4.04

Pensar no pensar

Parado, pensava no pensar. Via nas ideias e nas memórias um bailado de vivências a rodopiar sobre si mesmas. Via um caminho, uma saída e um reflexo na água. Procurava a ternura e a compreensão do tempo e o consolo do futuro, do espaço vazio. Vasculhava na emoção um sentido proibido esquecido. Perdia-me dentro de mim e mesmo assim tentava-me esconder da exasperante marcha dos ponteiros dum relogio qualquer. Parado, encontrava na mais pequena porção de tempo um significado, uma razão. Por vezes, perdia-me no escuro das coisas que não se explicam, ou das coisas que não teem explicação. Como um míudo de 5 anos, imaginava água em todos instantes, em todos os bocados de vida. Mesmo sem ver as ondas a dirigirem-se para a praia, mesmo sem as ouvir, mesmo sem as sentir, sabia o seu segredo. O vento, as pessoas, os sons, os dias, todos levam os seus segredos. Não se pode pensar no pensar sem antes parar. Não se pode pensar no pensar sem pensar nos segredos das coisas. Pensar até o pensar ser apenas uma palavra zangada com o seu significado, desligada de sentido, apenas a ser dois sons: pem-sar. Pem-sar. Pem-sar. No reflexo da minha imagem, esboçada nas paredes de tinta-de-areia, reparava que estava parado e como algo que não pudesse controlar, sorria e chorava. Não como se competissem entre si, mas como dois irmãos que brincam juntos. Ficava ao mesmo tempo feliz por estar a chorar e triste por estar a sorrir. As formas desenhadas num rosto que sorri e as gotas de água que caem dos olhos brincavam às escondidas, ao apanha e ao mata. Da janela do quarto do meu amigo, tentava mexer-me. Tentava embriagar-me na pressa do mundo. Eu não gostava de ficar parado, não gostava de pensar no pensar, não gostava de sorrir e de chorar ao mesmo tempo. Mas não sofria. Pensar no pensar retira-nos a capacidade de sofrer. Podemos repetir a palavra sofrer até a gastarmos, até ao ponto onde passa a ser um conceito, uma abstração, mas nunca deixamos de chorar. Pensar no pensar ensina-nos a acolher com um sorriso a água que cai dos olhos quando choramos, ensina-nos a suprimir o sofrimento e a transformá-lo em algo frio, desprovido de emoções, de vida, de sabor.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial