19.9.07

Os meus números pares

0 2 4 6 8 ... foi assim comecei uma das maiores aventuras da minha vida. Abria o estojo, tirava as canetas azul, verde e vermelho. Abria o caderno e lá me embriagava nos meus números pares. Lembro-me que tinha escolhido os números pares apenas porque era demasiado impaciente para esperar pela exasperante marcha dos números inteiros. Achava-os muito lentos, os números pares eram melhores, avançavam ao dobro da velocidade. Respeitava meticulosamente o quadriculado do caderno. Cada algarismo só podia ocupar uma casinha e o número seguinte ficava na coluna abaixo. Cada coluna estava espaçada de uma casinha da coluna ao lado. Haviam vários aliciantes. Como escrevia a caneta não me podia enganar. Quando isso acontecia, abria os agrafos que compunham o caderno, atirava a folha inteira para o lixo e recomeçava. Quando já tinha passado do meio do caderno, não tinha alternativa, não me podia enganar. Quando chegava às centenas, as casinhas onde escrevia estes números perfeitos tinham direito a um contorno vermelho. Os milhares, os meus preferidos, eram escritos a verde e as suas casinhas eram contempladas com um bonito contorno azul. No dia em que cheguei aos 10000 tive um problema. Não sabia como destacá-lo. Nesse dia decidi ir vasculhar a gaveta do escritório do meu pai à procura de uma solução. Finalmente, roubei-lhe a caneta amarela fluorescente. Era o mínimo que podia fazer por esse marco histórico. Claro que continuava a jogar à bola, a andar de skate ou fazer os meus deveres. Mas sempre que podia, abria o caderno e lá me embriagava nos meus números pares. Como os cadernos tinham exactamente o mesmo número de quadriculas por página, comecei a reparar nos padrões. Sabia sempre em que número ia acabar essa página ou quantas páginas me faltavam para poder escrever um número a verde e contorná-lo a azul. Quantos mais padrões descobria, mais vontade tinha de continuar e de descobrir outros. Essa era a minha motivação. Sabia quais eram o números que apareceriam no final de cada coluna. Sabia de quantas linhas diferiam as centenas em colunas diferentes. Sabia quando ia chegar a excepção onde não estaria nenhuma casa contornada a vermelho numa coluna. Apesar de já ter aprendido na escola que os números eram infinitos, não tencionava parar. Abria o caderno e lá me embriagava nos meus números pares. Um dia parei. Tinha preenchido 2 cadernos A5 e o terceiro ficou a meio. Afinal, os meus números pares eram finitos. Eram 56300.

2 Comentários:

Blogger jitoman disse...

Isto é mesmo verdade !!! Eu sou irmão dele e posso confirmar tudo o que ele escreveu. Eram mesmo uma pancada valente esses números pares. De qualquer forma nao sofremos muito... imaginem que lhe tinha dado para os números impares (que sao muito mais) aí é que tinha ficado no quarto para sempre ... ;)

4:24 da tarde  
Blogger Unknown disse...

Portanto, tu passaste a infância a escrever numeros pares até 56300? É mesmo verdade? Olha que depois de saber isto começo a compreender muitos dos teus comportamentos obsessivos compulsivos do passado... se me tivesses contado isto alguma vez, acho que teríamos evitado muuuuuuuuiiiiitas discussões... :)

2:00 da tarde  

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