21.9.06

Direito à cólera (être en colère)

Numa conversa de aeroporto, trocava ideias e experiências com uma amiga dum país diferente do meu, duma cultura diferente da minha. A dado momento, enquanto ela partilhava um pouco das suas vivências, referiu algo que me chamou à atenção e que ficou gravado no meu consciente: o direito à cólera. Esta sua afirmação era completamente antagónica ao seu temperamento. Não a conseguia imaginar em cólera. No entanto, passadas mais algumas palavras, percebi na integra o que estava por detrás. Era a ferramenta que ela utilizava para se refugiar da dor e do agastamento provocada por discussões, ilusões e desilusões. Ela evitava os confrontos, seja quais forem. Mas para ela havia excepções. Insisti então nesse ponto. Onde se situavam as fronteiras da confrontação? Qual seria a força motriz que justificaria um comportamento que normalmente está inibido? Para ela, a cólera é uma saída de emergência para a autoestima. Nasce do direito à autoestima. O que me apaixonou nesta ideia foi a premissa de que a cólera (être en colère) é um direito inerente à condição humana, que deve ser ponderadamente utilizado, mas é um direito. Um direito! Talvez devido à minha educação ou à influência da cultura na qual cresci, sempre vi a cólera como algo mau, negativo. Talvez não conseguisse fazer a separação entre cólera e raiva, ou entre cólera e agressividade. Esta nova visão levou-me a reformular alguns conceitos que tinha como absolutos. Apreciei um refinamento dela onde sublinhava que a cólera não é dirigida a ninguem. É apenas uma extravasão, algo que sai de dentro. O meu avião ia partir, ficámos por aqui: todos temos o direito à cólera... de vez em quando.

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