19.11.05

Pretexto

Procurava um pretexto para escrever. Olhava em meu redor e tentava-me inspirar nos sons, nos cheiros e nas cores. Nada. Depois olhei para as pessoas e para as lembranças. Nada. Passado algum tempo a fustigar-me, percebi que só necessitava de uma coisa para escrever, a vontade. Lancei-me na vastidão das palavras e tricotei um texto. Desta vez não fiz no papel, como é meu hábito, fi-lo na minha velha máquina de escrever com teclado AZERTY. O som de cada frase, de cada passagem de linha embalava-me do mesmo modo como me deixo embalar por um fio de água livre. Escrevia como se escrevesse a mais bonita carta de amor. O som de cada frase, de cada passagem de linha difundia-se pelo meu quarto como se fossem um perfume de mulher ou de uma flôr. As letras que imprimia uma à uma transcendiam o papel e fintavam-me, olhavam-me nos olhos. Sentia-me acompanhado. Cada palavra que escrevia, cada frase, cada ideia, deixava de ser minha. A partir do momento em que as cravava no papel assumiam a sua liberdade e recusavam ser minhas servas. Agora era eu o seu escravo. O som de cada frase, de cada passagem de linha ecoava na minha cabeça mesmo quando não escrevia. Já não precisava de um pretexto.

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